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O justo viverá pela fé. Romanos 1:17
* Reportagem publicada na edição de outubro de 2017, em comemoração aos 500 anos da Reforma Protestante
Você já ouviu falar em Martin Luder? É isso mesmo… Luder com D… o nome “original” do homem que transformou a visão cristã em seu tempo e tem seus ensinamentos destacados até hoje…
Nesta reportagem, vamos celebrar os 500 anos da Reforma Protestante… e aprender um pouco mais a respeito do que o comemorado dia 31 de outubro significa para toda a sociedade.
Confira:
Luder ou Luther?
De acordo com o diretor do Colégio Evangélico Martin Luther, pastor Ildemar Kanitz, Lutero nasceu em Eisleben, Alemanha, em 1483. Estudou e formou-se em Belas Artes em 1505. Aos 22 anos, inscreveu-se na Faculdade de Direito, pois esta era a vontade de seu pai. Naquele mesmo ano, quando voltava para casa de férias, defrontou-se com um forte temporal. Com medo de que ali morresse atingido por um raio, Lutero fez uma promessa a Santa Ana, dizendo que se escapasse vivo, viraria um monge e dedicaria sua vida a Deus. Mesmo contra a vontade do pai, Lutero ingressou num convento na cidade de Erfurt. Ali, mostrou mais uma vez sua dedicação aos estudos e sua grande piedade. Em 1507, foi ordenado sacerdote e ganhou sua primeira Bíblia. Dedicou-se profundamente ao estudo das Sagradas Escrituras, pois queria ir direto à fonte. Tornou-se bacharel em Teologia em 1509 e foi enviado, em 1511, para lecionar na recém criada Universidade de Wittenberg. E foi ali, nesta cidade, que Lutero aprofundou mais ainda seus estudos, casou e viveu por muitos anos. Seus estudos renderam mais de 100.000 páginas escritas. “Pode-se dizer que o âmago do Protestantismo é a Liberdade. Depois de muitos anos submisso às imposições da Igreja da época, de sua estrutura hierárquica, de seus dogmas e doutrinações, Lutero rompe com tudo ao descobrir a Liberdade como essência do Evangelho. Tão significativo era que chegou a mudar o seu nome. Na verdade o que hoje chamamos de Martin Luther, originalmente era Martin Luder, com ‘d’. Já enquanto professor universitário, Lutero passou a assinar suas cartas com o nome Martinus Eleutherius, ou seja, Martin, o liberto. A palavra bíblica ‘liberdade’ vem do grego eleutheria. Para guardar em seu nome esta essência, Lutero introduz o “th” no lugar da letra “d” – de Luder a Luther”, explica.
A “peça central”
Ildemar explica que, para a Reforma Protestante, Lutero foi essencial. “Sua coragem, dedicação e conhecimento para enfrentar as lideranças da época foram de extrema importância para buscar as mudanças necessárias. Mas, nada disso teria acontecido se não fossem outras lideranças e estudiosos que se destacaram na época. Alguns até com ideias divergentes de Lutero, mas essencial para as mudanças. Ao menos três pessoas, antes de Lutero, já contestavam o modelo de igreja cristã. São os chamados Pré-reformadores: Pedro Waldo na França, John Wyclif na Inglaterra e João Huss na Tchecoslováquia. Ao iniciar o Movimento da Reforma na Alemanha, outras lideranças surgiram, como João Calvino na França, Ulrico Zuínglio na Suíça e Erasmo de Roterdã, na Holanda. Neste período, renasce na Inglaterra um movimento contra a Igreja Romana, que conhecemos como Anglicanismo, de onde provém as Igrejas Batista, Metodista e Congregacional. Também na Escócia surge o Presbiterianismo. Nem todas estavam diretamente ligadas ao Luteranismo, mas ganharam força com o Movimento da Reforma. E assim em muitos outros países da Europa, o Protestantismo ganhou força e mudou o cenário mundial”, destaca.
As 95 teses
Kanitz acredita que a motivação central de Lutero ao escrever as 95 teses foi de contestar a prática da Igreja que vendia indulgências, ou seja, vendia cartas que davam a garantia de um lugar no céu. Lutero contestava afirmando que a salvação é gratuita e por ela não é necessário pagamento algum. Ele pregou as 95 afirmações na porta da igreja para provocar uma discussão na sociedade sobre esta prática. “Em um mês, essas afirmações foram reproduzidas e espalhadas pela Europa inteira. A partir disso muitas pessoas conheceram as ideias da Reforma. Importante saber que Lutero não queria separação, mas uma verdadeira reforma na igreja católica da época, que tinha práticas contraditórias aos ensinamentos bíblicos”, explica.
Os pilares da Reforma
As igrejas Protestantes de hoje continuam a pregar a vivência do que se conhece como os cinco pilares da Reforma, conforme Ildemar explica:
1) SOLA GRATIA (somente a Graça). A Salvação vem pela Graça de Deus e não pelo mérito das pessoas. É um presente divino e não conquista pessoal.
2) SOLA FIDE (somente a fé). “O justo viverá pela fé” (Rm 1.17) O que leva o crente a Deus é a fé.
3) SOLUS CHRISTUS (somente Cristo). Não há outra forma de mediação entre Deus e o ser humano. Apenas Cristo, que é a própria revelação de Deus. Todas as pessoas são simultaneamente justas e pecadoras.
4) SOLA SCRIPTURA (somente a Escritura). Nenhum outro documento é valido, a não ser que esteja em total sintonia com o Evangelho. E as pessoas precisam ter acesso às Sagradas Escrituras.
5) SOLI DEO GLORIA (somente Glória a Deus). A nenhum ser humano dever ser dado Glória, pois somente Deus é digno disso. Nenhum ser humano é melhor que outro, perante Deus todos são iguais.
“Amar como Jesus amou…”
Na visão do pastor Ildemar, as igrejas e os cristãos ainda estão muito distantes do que Cristo ensinou. As mudanças são inúmeras e ao mesmo tempo muito difíceis, pois implica em mudança de comportamento cultural, que as pessoas não estão dispostas a fazer. “O desafio é de amar como Jesus amou, viver como Jesus viveu, pensar como Jesus pensou. E isso não quer dizer retroceder aos velhos tempos em que se andava a pé ou viver sem internet, mas buscar viver os mesmos princípios que Ele teve, ter a mesma visão de mundo e de sociedade que Ele teve e colocar em prática Seus ensinamentos.
Hoje, as pessoas vivem muito para si mesmas, preocupadas somente com seus problemas e querendo se dar melhor que os outros. E algumas igrejas cristãs ainda colaboram para esta visão de viver para si mesmo e não para um projeto de Reino de Deus aqui e agora, apontam para uma salvação futura sem mostrar que a fé cristã implica para a vida em plenitude hoje em dia. A prática de algumas igrejas cristãs hoje é parecida com a católica da época, o que é lamentável”, acredita.
Ele destaca que a comemoração dos 500 anos deve ser celebrada porque a Reforma deve continuar acontecendo. “Não é apenas olhar para o passado e agradecer e reconhecer tudo o que já avançamos como sociedade a partir da Reforma, mas olhar para nossos dias e apontar onde e como as igrejas devem continuar sendo reformadas e melhoradas, sempre a partir da luz das Sagradas Escrituras e apontando Cristo como referência para o nosso pensar, nosso fazer e nosso ser”, finaliza.
A Teologia e a sociedade
O diretor do Colégio e Faculdade Luterana Rui Barbosa, pastor Carlos Kracke, afirma que Martinho Lutero foi alguém extremamente preocupado com o contexto em que vivia. Sua vida acadêmica não o manteve longe do dia a dia das pessoas. Pelo contrário, em sua análise contextual, percebeu que o ensino teológico da época não mais influenciava a maneira de viver do povo em geral. “Para Lutero, o ensino teológico, fundamentado na Bíblia Sagrada, deveria ser o norte para o viver em sociedade. Podemos afirmar que a Teologia, que o estudo espiritual evidenciado por Lutero, deve ter um olho no estudo da história, da interpretação bíblica e outro na realidade em que está inserida. E a saudável aplicação dos ensinos divinos farão da realidade social um lugar de justiça, paz e valorização da vida. Acredito que, depois dos 500 anos, seja essa uma preocupação da teologia atual. Ajudar a conhecer, interpretar e transformar nossa vida em sociedade em um lugar no qual a justiça, o amor ao próximo e a valorização da vida sejam nossa principal bandeira. Com base na vivência do reformador, a Teologia não pode ser algo que se preocupa apenas em melhorar a relação do ser humano com Deus. Uma teologia sadia vai muito além, faz com que as atitudes e decisões que tomamos no dia a dia em relação ao outro sejam fundamentadas nessa relação com o Divino, pois o ser divino em nós não nos permite mais defender a injustiça, e o ‘eu’ se torna agente de transformação da realidade do outro”, destaca.
Lutero e a educação
Carlos destaca que Lutero foi um apaixonado pela educação. Em muitos escritos, encontram-se orientações de como o governo ou mesmo as famílias deveriam educar ou ensinar seus filhos. “No contexto atual, a educação é, às vezes, tratada como um mal necessário, especialmente pelo investimento que é dispensado à área e, consequentemente, pela desvalorização do profissional da educação. Percebe-se que, em muitos casos, a preocupação com o crescimento intelectual se dá apenas pela quantidade de retorno financeiro que tal medida pode trazer. O reformador e educador Martinho Lutero fez questão de defender o valor da educação. Como herdeiros da Reforma, é nosso dever e nossa obrigação defendermos a educação, o ensino. É nosso dever defender o estudo, defender o uso da razão, sermos pessoas de fé é termos a certeza de que esse Deus se comunicou e se comunica com sua criatura, ou seja, na perspectiva de Lutero, a fé não nega a razão, pelo contrário, a fé faz o homem buscar sua existência, questioná-la, ir ao encontro de todo o conhecimento disponível e, nesta busca, ele exercerá a capacidade que mais nos aproxima do Divino, a capacidade de raciocinar”, destaca.
Servir a Deus
O pastor Carlos acredita que não basta falar com Deus se você se recusa a falar com o semelhante. “Em um contexto social em que havia uma supervalorização do mundo clerical, o reformador Lutero traz à tona o valor que Deus concede a cada ser humano. Na compreensão de Lutero, o ser humano não serve a Deus indo apenas a um convento ou seminário, seu culto acontece no cuidado com a família, na honestidade do seu trabalho, nos seus negócios, em toda e qualquer atividade o ser humano está sempre em contato com o divino e, por isso mesmo, conhecer os preceitos de amor e de valorização do outro fazem do ser humano um ser ético, divino e fiel aos preceitos de vida. Nos dias atuais, esse preceito se torna extremamente necessário, pois em uma sociedade egocêntrica, egoísta e materialista, ensinar que Deus não está apenas preocupado com o que você faz em seus templos e rituais religiosos é libertador, faz com que prestemos atenção no outro, com que tenhamos o bem-estar do outro como prioridade também. Ele nos revela que a preocupação maior não deve ser com o quanto você tem, mas, sim, com quantas pessoas você consegue compartilhar seu tempo, seus dons e seus bens. Dessa maneira, não existirá a possibilidade de nos ‘escondermos’ do mundo para viver nossa fé. O ensino divino nos levará para perto, para junto daquele que nos cerca e fará de nós agentes de transformação da realidade que estamos inseridos”, ressalta.
Ele destaca que, se os princípios que alicerçaram a Reforma Protestante não eram novos, mas sim, oriundos do estudo sério do Livro Sagrado do Cristianismo, a Bíblia, é fundamental continuar dando espaço a suas verdades e seus ensinos. “Mas, para isso, o estudo contextualizado, evangélico e centrado na obra graciosa de Jesus Cristo se torna extremamente necessário, pois assim ajudaremos o ser humano a desenvolver todo o seu dom de raciocinar e fazer do mundo um local de crescimento e valorização da sua vida e da vida do semelhante”, finaliza.
Mudança de paradigmas
O presidente da Assembleia de Deus Marechal Cândido Rondon e do Copem (Conselho de Pastores Evangélicos de Marechal), pastor Vicente Mariano, destaca que somos todos frutos de uma atitude corajosa que nos fará neste ano comemorar os 500 anos da Reforma Protestante… um movimento que representou a busca por um retorno às raízes da igreja do Novo Testamento, pois a igreja havia se secularizado. “Até hoje, os cristãos são beneficiados por força dessa reforma ocorrida na Idade Média, e que mudou paradigmas na esfera da fé, do conhecimento de Deus e da Salvação”, relata.
“O justo viverá pela sua fé”
O texto de Romanos 1.17, foi fundamental para que surgisse a Reforma Protestante no Século XVI. “Quando Martinho Lutero leu essa passagem das Escrituras, foi convencido de que nossa justificação não se dá através das boas obras, mas sim, através da fé. Inicialmente, ‘Reforma Protestante’ foi um termo pejorativo empregado pelos católicos romanos àqueles que protestaram contra o sistema religioso da época, mas esse termo foi assimilado e usado a partir do século XVI até nossos dias, para designar os grandes fatos vividos pelos que desejavam e desejam pautar sua vida religiosa segundo a Bíblia”, explica Vicente.
Frutos da Reforma
Pastor Vicente destaca alguns dos resultados conquistados com a Reforma Protestante:
Tradução da Bíblia para o alemão e outras línguas
Até a Reforma Protestante, a Igreja Católica adotou a Bíblia e os sermões em latim, uma língua que com o passar do tempo se tornou distante das pessoas, e próxima apenas dos estudiosos.
Após a Reforma, a Bíblia foi traduzida para o alemão, francês, inglês, e também para o português. Em nossos dias, diversas instituições tem sido uma força grandiosa na tradução e distribuição de Bíblias e porções de textos bíblicos traduzidos.
Os cultos passaram a ser realizados na língua dos povos, tornando mais clara a pregação e ensino do Evangelho. Lutero era professor de Bíblia e descobriu nela o quanto a igreja se havia afastado do Evangelho. A tradução alemã da Bíblia, produzida por Martinho Lutero, impressa pela primeira vez em 1534, é considerada como sendo em grande parte responsável pela evolução da moderna língua alemã.
A tradução de toda a Bíblia em outras línguas foi considerada um divisor de águas na história intelectual da humanidade.
Missões
Com a Reforma, despertou no coração dos crentes o entendimento de que o Evangelho deveria ser efetivamente anunciado, sem o interesse de se conquistar novas terras ou subjugar povos. A pregação da Palavra de Deus e a salvação das almas perdidas ganhou novo enfoque, e muitos cristãos dedicaram-se a passar seus dias no campo missionário.
O Dia do Evangélico
Em Marechal Cândido Rondon, que tem em sua origem a influência Luterana, o dia 31 de Outubro, o Dia da Reforma é comemorado com entusiasmo, especialmente este ano quando se comemora 500 anos.
Para marcar esta tão importante data, o COPEM (Conselho de Pastores Evangélicos de Marechal), através de seu presidente pastor Vicente, fez um pedido ao Poder Executivo e o Poder Legislativo de Marechal Candido Rondon e estes, atendendo esta solicitação, fizeram incorporar a data do dia 31 de Outubro como o “Dia do Evangélico” (LEI 4.977 – 27 de Setembro de 2017), a ser comemorado a partir deste ano. “Doravante, teremos mais um motivo para celebrar ao Senhor em nossa querida cidade. Uma grande conquista, pois, nosso município é composto por um significativo número de moradores que professam a fé crista evangélica”, ressalta.
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