Certamente, você já deve ter ouvido falar que internet é terra sem lei. Por isso, algumas pessoas se sentem estimuladas a agir e falar na rede mundial de computadores coisas que jamais ousariam fazer ou dizer em público. No entanto, é obrigatória, por parte dos provedores de conexão e de aplicação, a guarda e apresentação dos dados relacionados à porta lógica de origem associadas aos endereços de IPs. Com a porta lógica de origem é possível identificar o usuário, mesmo que ele esteja compartilhando um mesmo número de IP na internet com outras pessoas. Trata-se, portanto, de dado especial para o correto funcionamento da rede e de seus agentes operando sobre ela. Em razão disso, sua guarda é fundamental para a preservação de possíveis interesses legítimos a serem protegidos em processos judiciais ou em investigações criminais (STJ, REsp 1.777.769/SP).
As empresas provedoras de acesso à internet devem fornecer, a partir do endereço IP, os dados cadastrais de usuários que cometam atos ilícitos pela rede, mesmo que os fatos tenham ocorrido antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet (Lei nº. 12.965/2014). Existe um dever jurídico dos provedores de acesso de armazenar dados cadastrais de seus usuários durante o prazo de prescrição de eventual ação de reparação civil (STJ, REsp n. 1622483/SP).
Porém, não se pode impor a provedores de buscas a obrigação genérica de desindexar resultados obtidos a partir do arquivo ilicitamente divulgado na internet (STJ, REsp 1.593.249/RJ).
Apenas excepcionalmente é possível que o Judiciário determine o rompimento do vínculo estabelecido por sites de busca entre o nome da pessoa, utilizando como critério exclusivo de busca, e a notícia desabonadora apontada nos resultados (STJ, REsp n. 1.660.168/RJ).
São civilmente responsáveis pelos danos causados, decorrentes de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação. Neste contexto conclui-se que tanto o veículo de comunicação que divulga fato inverídico (rádio, televisão, jornal, revista, portal de notícias, etc) quanto o seu autor ficam responsáveis pelo seu conteúdo.
Entretanto, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.
Pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigadas a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra. Assim, a crítica a pessoas públicas somente pode gerar responsabilidade civil em situações nas quais é imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem na criminalidade (STJ, REsp 1.729.550/SP).
E a divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp?
As conversas travadas por meio do WhatsApp são resguardadas pelo sigilo das comunicações. Assim, terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp se houver consentimento dos participantes ou autorização judicial.
As mensagens eletrônicas estão protegidas pelo sigilo em razão de o seu conteúdo ser privado, isto é, restrito aos interlocutores.
Dessa forma, ao enviar mensagem a determinado ou a determinados destinatários, via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia.
Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas (criptografia ponta a ponta).
Além disso, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, a pessoa que enviou a mensagem teria optado por uma rede social menos restrita, como Facebook ou Instagram, ou mesmo repassado a informação à mídia para que fosse divulgada.
Assim, se o indivíduo divulga ao público uma conversa privada, além de estar quebrando o dever de confidencialidade, está também violando legítima expectativa, a privacidade e a intimidade do emissor. Justamente por isso, esse indivíduo pode ser responsabilizado por essa divulgação caso se configure o dano.
É importante consignar que a ilicitude poderá ser descaracterizada (afastada) quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor, como, por exemplo, para demonstrar sua inocência em determinado caso. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer. (STJ, REsp n. 1.903.273-PR).
E quando o conteúdo ofensivo envolver criança ou adolescente?
É dever do provedor de aplicação de internet proceder a retirada de conteúdo que viola direitos de crianças e adolescentes assim que for comunicado do caráter ofensivo da publicação, independentemente de ordem judicial, ou seja, a simples comunicação do site ou do provedor, mesmo de forma extrajudicial, quando se tratar de criança ou adolescente, impõe o dever de retirada do conteúdo ofensivo à criança ou adolescente, sob pena de sua responsabilização.
Essas condutas ilícitas na internet podem configurar crimes?
Sim, podem configurar inúmeros crimes, dentre os quais se destacam a calúnia, difamação, injúria, violação de segredo, dentre outros:
Calúnia se configura quando existe uma imputação falsa de fato definido como crime. É, por exemplo, chamar alguém de ladrão, quando se sabe que o acusado é inocente. E no mesmo crime incorre quem, sabendo da falsa imputação, propala ou divulga por qualquer meio, inclusive na internet:
Artigo 138 do Código Penal – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
- 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
- 2º – É punível a calúnia contra os mortos.
Difamação é a imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação, que não configure crime, pois se o fato imputado configurar crime poderemos estar diante de uma calúnia:
Artigo 139 do Código Penal – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Na injúria não há a imputação de um fato, mas a opinião que o agente dá a respeito do ofendido:
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
- 3 o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa.
A violação de segredo implica na invasão de dispositivo informático alheio, inclusive celular, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Art. 154-A do Código Penal – Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
- 1º. Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
Diante disso tudo, conclui-se que a rede mundial de computadores não é um espaço totalmente invisível e pode ser alvo de responsabilização de quem ousa usar as redes sociais ou qualquer meio eletrônico para cometer ilícitos.