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A VISÃO DO DIREITO PARA O SÉCULO XXI

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A VISÃO DO DIREITO PARA O SÉCULO XXI

As céleres e constantes transformações ocorridas no cotidiano da sociedade exigem mudanças rápidas do Direito. Esse dinamismo social reflete diretamente nas normas jurídicas que, por sua vez, implica em mudança na vida de cada ser humano. A partir de agora, vejamos alguns dos direitos que sequer imaginávamos que pudessem existir:

 

1. MUDANÇA DE GÊNERO – O Direito do século XXI trabalha cada vez mais com o direito à diferença e com o reconhecimento de identidades. A autodeterminação deve ser valorizada e respeitada, como componente integrante da dignidade humana. O sexo, como gênero masculino e feminino, hoje não é mais visto como algo adquirido com a concepção ou nascimento, mas de uma forma mais cultural e dinâmica. Isto é, não é algo irreversível, a ser mantido para o resto da vida, mas algo que pode ser alterado no percurso da vida de cada um. Surgem assim os transgêneros. A designação de transgênero significa a maneira como alguém se sente e a maneira como deseja ser reconhecido pelas demais pessoas, independentemente do seu sexo biológico. A identidade de gênero se refere à experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero. Pessoas transgênero possuem uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado no momento de seu nascimento. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2018, que os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do nome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil (STF, ADI 4275/DF). Dessa forma, as pessoas do sexo masculino, por exemplo, podem alterar o seu nome e o gênero para feminino diretamente no registro civil sem a necessidade de ingressar na Justiça ou enfrentar qualquer outro processo burocrático (STJ, REsp 1.626.739-RS).

 

2. CASAMENTO DE PESSOAS DO MESMO SEXO – No mesmo norte, a Suprema Corte brasileira, aproveitando o novo panorama social, cultural e jurídico, permitiu, de modo unânime, o casamento e a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com essa decisão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução n. 175, de 14/05/2013, a qual veda “às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

 

3. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO – O tempo repercute vivamente em múltiplas dimensões jurídicas, gerando aquisição (como na usucapião), modificação e extinção de situações jurídicas (como no caso da prescrição, ou caducidade do direito). Aliás, um dos paradoxos de nossos dias é este: vivemos numa sociedade reconhecidamente veloz e o tempo “sumiu” para muitos de nós. O dia e suas 24 horas não são suficientes para o que nós precisamos fazer. Desse modo, surgiu a teoria do desvio produtivo, hodiernamente aplicada pelos tribunais brasileiros. O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável. Como exemplo, podemos citar as operadoras de telefonia, que muitas vezes por erro operacional (erro interno das operadoras), o consumidor tem que perder várias horas no telefone tentando resolver o problema decorrente do mau funcionamento da linha telefônica. Há algo que deve ser visto como denominador comum a todas elas: a superação do limite de tolerabilidade, algo que só pode ser aferido no caso concreto. Isso porque é socialmente comum e aceitável – talvez até inevitável – que todos nós percamos tempo nessa ou naquela atividade, ainda que desagradável. Assim, a perda do tempo útil decorrente principalmente pelo fato de os fornecedores estarem, de forma voluntária e reiterada, descumprindo as regras legais com o intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, implica em danos e gera indenização aos prejudicados. Assim, por exemplo, os bancos contratam poucos funcionários para trabalharem nas agências físicas com o objetivo de otimizar o lucro. Nesta hipótese, caso restar comprovado que além da perda de tempo o consumidor experimentou outros prejuízos, como perda de um compromisso, pode gerar danos morais. Porém, o consumidor deve lembrar que os prejuízos experimentados pela perda do tempo deverão ser provados, seja por meio de testemunhas, seja por meio de imagens de câmeras do local ou outros meios de provas.

 

4. O QUE FAZER COM O CORPO APÓS A MORTE – As diretrizes do que fazer com o corpo após a morte também já chegaram a ser enfrentadas pelo Judiciário brasileiro. No ano de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) obrigou-se a julgar o caso envolvendo criogenia. A criogenia (ou criopreservação) é a técnica de congelamento do corpo humano após a morte, em baixíssima temperatura, a fim de conservá-lo, com o intuito de reanimação futura da pessoa, caso sobrevenha alguma importante descoberta científica que possibilite o seu retorno à vida. A questão analisada pelo STJ não diz respeito aos efeitos da criogenia sobre o corpo, mas sim sobre se é possível reconhecer que o desejo do falecido era o de ser criopreservado após a morte, bem como se a sua vontade afrontaria o ordenamento jurídico brasileiro. Neste caso, o STJ decidiu que não há exigência de formalidade específica acerca da manifestação de última vontade do indivíduo sobre a destinação de seu corpo após a morte, sendo possível a submissão do cadáver ao procedimento de criogenia em atenção à vontade manifestada em vida (STJ, REsp 1.693.718). Assim, é cabível definir diretrizes antecipadas para serem aplicadas após a morte, inclusive com o seu corpo, ou seja, se os órgãos serão doados, se o corpo será sepultado ou se o cadáver será cremado.

 

5. OS NOVOS MODOS DE ENGRAVIDAR NO SÉCULO XXI – Não é incomum, hoje, que a avó da criança que vai nascer empreste sua barriga para que a gestação lá ocorra, diante de alguma impossibilidade (médica) da mãe em fazê-lo. Há, nesses casos, um descompasso entre a mãe biológica (aquele que tem o seu óvulo fecundado) e a mãe que empresta seu corpo para possibilitar que a gravidez se consume (aquela que fornece seu útero). Convém sistematizar, ainda que brevemente, a questão da gestação em útero alheio no Brasil. Basicamente quatro pontos devem ser observados: a) precisa ser gratuito (a doação temporária do útero não pode ser remunerada); b) ambas as partes devem ser civilmente capazes (maiores de 18 anos); c) a “dona” do óvulo deve ter uma incapacidade gestacional, e isso precisa ser comprovado (não se pode, por exemplo, usar o procedimento para evitar uma gravidez com preocupações estéticas); d) a mulher que empresta sua barriga, seu útero (chamada mãe hospedeira) deve ser, em regra, pessoa da família, permitindo-se, apenas em casos excepcionais, outra mulher. A questão é tratada na Resolução n. 2.168 do Conselho Federal de Medicina. Por outro lado, tratando-se de casal do mesmo sexo (homossexual), existem empresas no mundo que prestam serviços até para engravidar. Foi assim e com a ajuda de uma empresa israelense que um casal homossexual brasileiro forneceu sêmen e escolheu, dentre várias mulheres que constavam no site da empresa, aquela que seria a doadora do óvulo. Já a gravidez propriamente dita ocorreu na Tailândia, com mulheres que cobram para servir como barriga de aluguel. No Brasil, o Ministério das Relações Exteriores emitiu documento afirmando que o procedimento cumpriu os trâmites legais exigidos.

 

6. AGÊNCIAS DE CASAMENTO (CORRETAGEM MATRIMONIAL) – Tema ainda pouco explorado no Brasil, embora presente em diversos ordenamentos pelo mundo afora, a questão da corretagem matrimonial é típica do mundo contemporâneo. Consiste a corretagem matrimonial no negócio jurídico que tem por fito vincular pessoas que desejam contrair matrimônio (casamento). O corretor matrimonial (intermediário) assume a obrigação de meio (tentar encontrar) outra pessoa para casar com o seu cliente contratante. A obrigação é de meio, ou seja, não se pode obrigar o corretor a encontrar e convencer a outra pessoa a se casar. Assim, o contratado (corretor) fará jus à remuneração independentemente do êxito, consistindo a sua atividade, tão só, em promover aproximações.

 

7. BULLYING – O bullying é a prática de atos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa, que podem causar danos físicos e psicológicos às vítimas. O termo surgiu a partir do inglês bully, palavra que significa tirano, brigão ou valentão, na tradução para o português. No Brasil, o bullying é traduzido como o ato de bulir, tocar, bater, socar, zombar, tripudiar, ridicularizar, colocar apelidos humilhantes, etc. Essas são as práticas mais comuns do ato de praticar bullying. A violência é praticada por um ou mais indivíduos, com o objetivo de intimidar, humilhar ou agredir fisicamente a vítima. Para a Justiça brasileira, o bullying está enquadrado em infrações previstas no Código Penal, como injúria, difamação e lesão corporal.

 

Assim, o Direito atual surge com nova roupagem, incumbido de dar respostas às novas necessidades surgidas com a rápida evolução da humanidade.

 

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Dr. Alcemir da Silva Moraes

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