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Direitos Humanos em época de Pandemia

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Direitos Humanos em época de Pandemia

Constantemente, nos deparamos com vídeos divulgados por meio das redes sociais, nos quais se constatam, a princípio, a prisão de pessoas, com o uso de algemas, sem que estas pessoas apresentassem resistência à prisão.

O uso de algemas indiscriminadamente em realizações de prisões há muito tempo se discute no meio jurídico. A maioria dos juristas abomina o seu uso quando o preso não ofertar resistência à prisão, não apresentar risco de fuga, nem mesmo risco a si próprio ou a terceiro, como aos policiais que estão efetuando a prisão.

Diante disso, o Supremo Tribunal Federal, que é a última instância do Judiciário brasileiro, fixou o seguinte entendimento na súmula vinculante n. 11:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Neste caso, veja-se que só há raras hipóteses em que é possível o uso de algemas, como em casos de resistência, de fundado receito de fuga ou de perigo à integridade física ou alheia, sendo que, nestas hipóteses, é necessária a justificação da excepcionalidade por escrito. Assim, percebe-se que o uso de algemas é caso excepcional e, por isso, deve ser justificado por escrito. Caso isso não ocorra, a referida súmula vinculante menciona que o agente que agiu em desacordo com lei, deverá responder administrativamente (procedimento disciplinar, em que pode ser demitido do serviço público, sem prejuízo de incorrer em improbidade administrativa), civil (com o pagamento de indenização à vítima) e penalmente (com a condenação à pena de prisão por abuso de autoridade).

No entanto, na prática, muitas vítimas, com receio de represálias, se furtam de denunciar os maus servidores públicos que abusam do poder. Isso porque, não só as leis são coniventes com estes tipos de criminosos, mas também o Judiciário, com a demora que lhe é contumaz, importando que o caso caia no esquecimento e tudo acabe em pizza.

Há também outros culpados pela reiteração da violação de direitos humanos no Brasil, como o preconceito que recai sobre direitos humanos, a falta de informação e a omissão deliberada dos profissionais do Direito acerca de direitos humanos.

O preconceito sobre direitos humanos advém de uma grande parte da população cunhar que os direitos humanos são direitos apenas para bandidos. No entanto, se esquecem que os direitos humanos são direitos mínimos que todos os seres humanos têm frente ao poder estatal. O Estado (neste caso União, Estado, Distrito Federal e Municípios) é imensamente mais poderoso que qualquer ser humano. Todavia, este “poder” do Estado não pode ser irrestrito. Deve obedecer alguns direitos mínimos de qualquer ser humano. É justamente neste aspecto que se revela os direitos humanos. É o mínimo direito do ser humano em face do “poder” estatal. Se não fosse isso, o Estado poderia cometer qualquer arbítrio contra o ser humano e nada lhe aconteceria.

A falta de informação sobre os direitos mínimos que cada um possui por ostentar a condição de ser humano colabora também com a disseminação do ódio, do arbítrio, da intolerância e do abuso, isto porque, se todos soubessem de seus direitos e fossem em busca de vê-los aplicados, os abusadores, ao sofrerem a punição aplicada, iriam se curvar à lei. Em outras palavras, se todos reclamassem de seus direitos, os transgressores da lei não iriam transgredi-las, eis que estariam cientes de que a lei iria ser aplicada.

A questão de violação aos direitos humanos no Brasil parece ser sistemática e rotineira. Sistemática e rotineira porque não raras as vezes que vivenciamos programas televisivos sensacionalistas em que as pessoas se sentem plenamente felizes em megas prisões com violação aos direitos mínimos dos seres humanos. No entanto, quando esses acusados são absolvidos, justamente por o público não dar “ibope”, a mídia se cala, não transmite a notícia que o acusado foi absolvido.

Por outro lado, os profissionais do Direito não se empenham em combater a reiteração das violações aos direitos humanos, porque, quase a totalidade dos casos, as vítimas (os prejudicados) são pessoas pobres, de baixa renda.

Por sua vez, o Judiciário, com a demora contumaz, colabora com a cultura subversiva e contínua de violação de direitos humanos, porque as vítimas, ao tomarem conhecimento que o processo judicial é demorado, burocrático e ineficiente, também se sentem desestimuladas a procurar justiça. Nesse caso, pergunta-se aos leitores: quantas vezes cada um visualizou, seja pela televisão, whatsApp ou outro meio, abuso ou violação aos direitos humanos? Mas, contudo, quantas as vezes que o leitor ouviu qualquer notícia relacionada à punição aplicada pelo Judiciário aos transgressores da lei?

É certo que não podemos confiar no Judiciário do Brasil, até porque há inúmeras condenações do país perante a Corte Interamericana, justamente por erro do judiciário brasileiro que não reparou as violações aos direitos humanos, sem contar os imensos julgados proferidos pelo Judiciário que se contradizem, o que revela a falta de segurança jurídica. Não são raras as vezes que ora dizem uma coisa e ora dizem outra. Porém, em se tratando de Direitos Humanos, tem-se que, após esgotados os meios jurídicos internos, ou seja, que o Brasil nos oferece, é possível solicitar a abertura de um processo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Neste caso, a Corte Interamericana julgará o Brasil e, se houver condenação, como já houve em outros inúmeros casos, o país é condenado a reparar os danos morais suportados pelas vítimas do abuso do poder estatal.

Quanto ao estado de emergência decretado no Brasil em razão da pandemia provocada pelo Covid-19 (Coronavírus), a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao responder a consulta formulada pelo Uruguai (Opinião Consultiva n. 9/87), opinou que não perdem a eficácia os direitos prescritos no artigo 27.2 descritos na Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Vejamos o teor do artigo 27 da referida Convenção:

Artigo 27. Suspensão de garantias

1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe

impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.

2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica); 4 (Direito à vida); 5 (Direito à integridade pessoal); 6 (Proibição da escravidão e servidão); 9 (Princípio da legalidade e da retroatividade); 12 (Liberdade de consciência e de religião); 17 (Proteção da família); 18 (Direito ao nome); 19 (Direitos da criança); 20 (Direito à nacionalidade) e 23 (Direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.

3. Todo Estado Parte que fizer uso do direito de suspensão deverá informar imediatamente os outros Estados Partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, das disposições cuja aplicação haja suspendido, dos motivos determinantes da suspensão e da data em que haja dado por terminada tal suspensão.

Nota-se que, mesmo em situação de emergência, o país signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos é obrigado a respeitar alguns direitos mínimos, dentre os quais se destacam o direito à vida e à integridade pessoal. Ou seja, mesmo em épocas difíceis, onde há pandemia, não pode as autoridades públicas, inclusive policiais, usarem imoderadamente a força, sem observância da lei. É necessário que seja preservada a integridade física da população. Qualquer ato que atente contra a dignidade da pessoa humana, como, por exemplo, agressão, tem que ser penalizado severamente pela lei.

Desse modo, a pessoa que se sentir violada em seus direitos humanos, pode postular no Judiciário brasileiro a reparação dos danos suportados, sendo que, caso o Judiciário nacional não reconheça a ilegalidade, existe a possibilidade da vítima postular junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos a reparação dos danos sofridos em virtude do arbítrio das autoridades nacionais.

É bem por isso que outrora já tivemos oportunidade de escrever nesta coluna que a polêmica gerada sobre a lei de abuso de autoridade, adveio de parte de abusadores, que se viram ameaçados de ser punidos por leis mais duras. Na verdade, a lei é muito branda para este tipo de criminosos, uma vez que não são delinquentes comuns, como, de costume, vemos presos. Muito diferentemente do que costumamos ver, os agentes que são criminalizados pela lei de abuso de autoridade geralmente são pessoas que possuem um grau elevado de escolaridade e, portanto, estão cientes do que fazem. Para se ter um exemplo, não são garis, geralmente, semianalfabetos, que abusam de sua autoridade, mas, muito pelo contrário, são pessoas instruídas, com grau de escolaridade mais elevado do que a grande parcela da população. São pessoas que, na verdade, deveriam dar exemplo à sociedade, mas, que na prática, tendem a abusar do seu poder de “autoridade”.

Por fim, deve ser lembrado que o poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal), isto é, o povo é o detentor do poder, e não as “autoridades”. As “autoridades” apenas exercem o poder que o povo lhe delega. Assim, não é razoável que as “autoridades” usurpem o poder do povo e os usem contra o povo. Autoridade que assim age, deve ser banida do serviço público.

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Dr. Alcemir da Silva Moraes

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